CARTA DO CANADÁ
Fernanda Leitão
TAPAR O SOL COM A PENEIRA

Sindicatos da construção organizam manifestações em frente da sede do governo provincial do Ontário, gritam-se palavras de ordem, agitam-se cartazes, berram-se cuspidos discursos, mas fica tudo como dantes e o quartel em Abrantes: os deportados portugueses continuam a sair, como foi prometido e se esperava. Não sei se a fraqueza desses sindicatos vem da contradição em que vivem. Um sindicato é uma instituição que tem por vocação única a defesa dos direitos dos trabalhadores, e quando o sindicalismo assim tem sido, move montanhas, como na Polónia, ou dobra governantes, como em França, granjeado o respeito até da Igreja Católica que os cita como desejáveis na sua Doutrina Social. Em Toronto, contudo, estes sindicatos da construção têm-se esmerado em jantares de angariação de fundos em favor de candidatos liberais nas eleições federais (o último, por ocasião da candidatura de Paul Martin, rendeu 700 mil dólares numa noite e isso deu uma bronca das antigas, que levou à alteração da lei reguladora das fontes de receita dos partidos). Em Toronto, onde a construção vive um boom impressionante, os sindicatos têm sido os maiores fornecedores de mão de obra aos empreiteiros, o que está na origem de uma dupla felicidade: o patronato pode dispor de mão de obra calada, que se sujeita a tudo, e os sindicatos, porque o operário tem uma licença de trabalho temporária, faz de todos eles sócios pagantes, com as quotas em dia. Quando é deportado, o trabalhador perde tudo nesta roleta. Os que não têm licença de trabalho e vivem clandestinos, dão com as costas à mesma na construção, mas ganham 7 dólares por hora, quando a lei manda pagar bastante mais de 20 dólares. Não sei se este sindicalismo, bronco e abrutalhado, se deverá ao facto de o Canadá não fazer parte da Organização Internacional do Trabalho. Mas porque vários dos seus dirigentes são militantes locais do Partido Socialista português, um deles até foi representante desse partido durante um tempo, fico surpreendida com esta ausência de reciclagem por parte do partido da Pátria Mãe, quanto mais não fosse para não ficar com má imagem no exterior.
A opinião pública canadiana, na sua maioria, manifesta uma sincera pena dos portugueses envolvidos nesta situação, mas começa a criticar, em voz cada vez mais audível, estes dirigentes portugueses que, objectivamente, exploram compatriotas e nada fizeram, no decorrer dos anos, para acabar com este aleijão. Cada vez mais se perguntam por que bulas os sindicatos estão sempre nas mãos de italianos, portugueses e sul americanos de língua espanhola, que dobram o joelho pelo partido liberal. A simpatia pode descambar em antipatia, a avaliar pelos comentários de outras comunidades étnicas atingidas também pelas deportações que não estão em espectáculo contínuo nem merecem tanto espaço mediático como os portugueses. Já, aqui e ali, se insinua que os grandes empresários estão nesta cruzada por interesses óbvios.

Polvo de grandes dimensões e múltiplos tentáculos. Chegaram aqui famílias inteiras de portugueses, como turistas, que venderam tudo em Portugal, incluindo casa de habitação, ou que pediram milhares de contos emprestados para se meterem nesta aventura. Deixaram-se depois enredar por todo este polvo, regressam agora a Portugal em má situação. Uma decisão tão grave e de tão incertas consequências, foi por certo motivada pelos engajadores que, em Portugal, trabalham mano a mano com a fauna local. Nem se duvide. Por isso mesmo, são cada vez mais os portugueses que por aqui estão atentos à promessa de investigação criminal que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Prof. Freitas do Amaral, anunciou na sua conferência de imprensa no consulado português de Toronto. Todos esperamos que isso seja um facto, porque sim e para ver se o lado canadiano se anima por cá a fazer o mesmo e acaba esta conversa da treta de sindicalistas, deputados, congressos, federações, empresários e comandita. Embora Portugal não seja um alvo preferencial das deportações, pois ocupa o 7º lugar de uma lista iniciada pelos Estados Unidos (a fuga à guerra é um facto), a comunidade portuguesa precisa de ser limpa de alto a baixo. E o Canadá, nos seus partidos e departamento de Imigração, também.
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